domingo, 15 de fevereiro de 2015

Direito e Privilégio. Privilégio como Direito. Direito como Privilégio.

Por Atanásio Mykonios



Nós confundimos direitos com privilégios e vice-versa. Um país em que a abolição da escravidão se deu num contexto duvidoso, sendo o último no mundo a aboli-la, esse modo social e histórico de produzir criou raízes profundas em nosso processo de cultura e dominação das relações de poder. O sistema escravagista e o capitalista têm muito em comum. Na escravidão, não há direitos, apenas privilégios e estes são considerados como direitos inalienáveis e até divinos. No capitalismo, o direito à exploração se torna uma espécie de direito constitutivo do privilégio. Uma sociedade como a nossa, em que se tem a impressão de que não houve uma ruptura real, a condição dos privilégios hoje se torna um direito. 

Ocorre que a conquista de direitos por parte de outros, é considerada como a concessão de privilégios. Os que seguem com seus privilégios, se sentem ameaçados quando a parcela daqueles que não têm direitos lutam por estes. A inversão do discurso é algo muito interessante nesse casso, como um sintoma da ameaça do fim dos privilégios. Historicamente, quem goza de privilégios faz parte de um aparato de dominação cujo poder é exercido por meio de uma estrutura social organicamente articulada. A ideologia serve para proteger socialmente os privilegiados. Mas no capitalismo, o privilégio se reveste de direito com a fachada do mérito. Para os privilegiados, todos têm o mesmo direito e as mesmas condições, portanto, para eles, não se trata de privilégio, mas de direito adquirido por meio do mérito, coisa que aqueles que não foram capazes de merecer o privilégio (o direito), não merecem tê-lo. No entanto, aqueles que têm privilégios escondem sua condição histórica, escondem a sua origem privilegiada e a disfarçam com a noção de que construíram os seus caminhos para seu próprio merecimento, com esforço. 

O privilégio é parte de uma proteção social institucionalizada. Na escravidão, os papéis sociais são bem delimitados. Para os privilegiados, agora no capitalismo, esses papéis devem permanecer os mesmos. Como no capitalismo a venda do corpo para o trabalho tem um caráter jurídico de liberdade, uma vez que aparentemente nenhum trabalhador é obrigado a trabalhar, escamoteia-se a condição social e econômica de privilégios, jogando na vala do mérito o enfrentamento político com o escopo de manter os privilégios. Portanto, os privilegiados farão de tudo para manterem seus privilégios, aceitarão, inclusive, viverem sob uma ditadura ou uma pseudodemocracia, contanto que não haja alteração em sua condição. A condição social ocupada pelos privilegiados não pode ser esquecida, é a partir desse lugar que o privilegiado se coloca politicamente a fim de defender seus privilégios. Os oprimidos devem compreender esse processo para não caírem na armadilha de lutarem por privilégios ao invés de direitos. 

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